“Em busca de
status”
Walcyr carrasco
“AO ENTRAR NA SALA DE um amigo, observo
uma luminária idêntica a um chifre. Ele a exibe, orgulhoso.
— PhillipeStarck. Só existem três no
Brasil.
Atarraxo um sorriso de admiração. Como
dizer que parece o despojo de uma fantasia da Vai-Vai? Entusiasmado, ele
aconselha:
— Na loja havia uma cadeira de couro de
vaca incrível, assinada. Você precisa comprar.
— Mas não preciso de mais uma cadeira.
— É uma oportunidade única, e você vai
jogar fora?
Suspiro. Devia jogar a cadeira na cabeça
dele. E impressionante como as pessoas dão valor a grifes. Há bastante tempo vi
uma carteira Louis Vuitton com desenho quadriculado. Linda. Fui verificar. Meus
documentos não cabiam. O vendedor explicou:
—- É que os documentos europeus são de
tamanho menor. Os nossos ficam sobrando.
Agradeci. Um amigo que me acompanhava se
escandalizou. -— Não vai levar?
— Onde vou botar minha identidade?
Mas quando você abrir a carteira
todo mundo vai notar. É chique.
Sou do tipo que só compra quando gosta.
Espanto-me quando vejo as pessoas se digladiando para ser elegantes. Visito um
casal. Ele me oferece um drinque.
— Uísque 12 anos, de uma reserva especial.
Você nunca experimentou igual.
— Obrigado, só quero água.
— Você tem de experimentar! É o máximo!
Enche meu copo. Observo a samambaia mais
próxima. Quantas vezes terá sido regada pelo uísque? A busca por status faz com que modas sejam inventadas.
Sempre odiei tiramisu. Há algum tempo, ninguém
podia dizer que não gostava.
— Prefiro creme de papaia -— arrisquei,
certa vez, à mesa.
Olharam-me como se fosse um ET. Descobri que o creme fora a
moda de um ano atrás. Querem botar grife até dentro do meu estômago! Agora que
o tiramisu se tornou
mais popular, é até fino desdenhar. Escritores também podem entrar em moda.
— Você já leu o último da saga de Ramsés.
— Não gostei do primeiro, parei.
— Ah, mas todo mundo está lendo. Eu também
achei um pouco exagerado... mas só falam nisso!
E filmes que não se pode deixar de ver? Já
perdi a conta.
Cada vez que desembarca uma nova Bruxa
de Blair, há uma comoção.
— Como, você não viu?
— Assisto mais tarde, no vídeo.
— Mas aí é diferente. Todo mundo já vai
ter visto.
Será que, por todo mundo desfrutar, o
filme perde o interesse, a comida o sabor? E a mania de conhecer vinhos? Se
parte dos homens de negócios se dedicasse a estudar os gregos com o mesmo
afinco com que decora rótulos, teríamos um país de filósofos. Guerra semelhante
acontece entre conhecedores de charuto. Discutem aromas. Nuances. A maioria
seria incapaz de distinguir um cubano de um cigarro de palha do sítio. Respeito
os apreciadores das coisas boas da vida. Mas é terrível ver alguém comendo,
bebendo e fumando só para parecer o que não é, nem precisa ser.
De maneira mais cruel, algumas
personalidades se tornam notórias da noite para o dia. São convidadas para
todas as festas. Pensam que entraram para o grand monde. Bobagem. Passa algum
tempo e seu telefone pára de tocar. São descartadas como a roupa do verão
passado. Inventaram até uma expressão para dizer que alguma coisa é chique e
imprescindível: Estava em uma badalada loja de roupas masculinas. A gerente
conversava com um rapaz. Comentou.
— Seu sapato é tudo.
O elogiado sorriu como se tivesse
ganho a Mega-Sena.
— Eu sei. E mesmo. Tudo.
O sistema solar não é tudo, a via
láctea não é tudo. Como um sapato pode ser?
Falando assim, parece que estou me
referindo aos ricos, ou pelo menos à classe média abastada. Coisa nenhuma.
Soube que uma grande grife, que patrocina desfiles chiquérrimos, vive da venda
de camisetas e jeans. Seu público: office-boys e congêneres. Gastam o pouco que
ganham para ter roupa com etiqueta. Quanto mais jovens, mais estritos: é
preciso usar os tênis que todos usam, botar o jeans, a calça. Caso contrário,
serão desdenhados como o patinho feio.
Fico pensando: nessa ânsia por ser
especiais, as pessoas tornam-se idênticas. Ser "tudo" acaba sendo um
bom caminho para terminar em nada.
Quem é?
WALCYR CARRASCO - Jornalista, trabalhou em Veja, Istoé,
Folha de S. Paulo e em O Estado de S. Paulo, antes de se dedicar com
exclusividade à carreira de escritor. É autor teatral e de livros
infanto-juvenis. Em 2002 recebeu o Prêmio Shell de melhor autor pelo Rio de
Janeiro, pela peça Êxtase. Sua tradução e adaptação de Os Miseráveis, de
Victor Hugo, recebeu o selo de “Altamente Recomendável” da Fundação Nacional
do Livro. Há 12 anos Carrasco escreve crônicas para a revista Veja São Paulo.
Em televisão, é autor de novelas premiadas, como Xica da Silva, O Cravo e a
Rosa – que fizeram sucesso também no exterior – e Chocolate com
Pimenta.
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Sobre o mesmo tema ouça a música abaixo:
Referências
bibliográficas
ALENCAR, José de. Senhora. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011 (Coleção Saraiva de Bolso).
BRONTË, Emily. O Morro dos Ventos Uivantes. São Paulo: Landmark, 2007.
COLASANTI, Marina. Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento. Rio de Janeiro: Nórdica, 1982.
CUNHA, Celso. Gramática do português contemporâneo. Porto Alegre: L&PM, 2010.
FERREIRA, Gilvan. Trabalhando com a Linguagem – 9° ano. São Paulo: Quinteto Editorial, 2009.
MOISÉS, Massaud. A criação literária. São Paulo: Cultrix, 1987.
Webgrafia:
http://letras.mus.br/munhoz-mariano/camaro-amarelo/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gal_Costa
http://pt.wikipedia.org/wiki/Munhoz_%26_Mariano
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=-1pMMIe4hb4
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=XmuMd4FnnYo
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=4clztbOrFps
https://www.youtube.com/watch?v=8qNwLPpdk5M
https://www.youtube.com/watch?v=HbVax1qZflg
https://www.youtube.com/watch?v=iil4VOI-DnQ
https://www.youtube.com/watch?v=iZTLurPOktU
https://www.youtube.com/watch?v=OluYhLIeAYI
http://www.youtube.com/watch?v=ueCIRsCZgbM&feature=player_embedded
https://www.youtube.com/watch?v=wFm0e28jjCo
Componentes
do grupo:
5º Semestre – Letras NoturnoEduardo Eulálio Pereira de Souza – RA 911119399
Elza Milena Maia de Matos – RA 911117166
Estela Yukari Hama Kawahata – RA 911123463
Gisele Sousa da Silva Teixeira – RA 911116580
Wesley Moreira de Andrade – RA 911119212



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