domingo, 16 de junho de 2013

Enquanto isso, na Literatura Inglesa...

Você leu no capítulo anterior a respeito do Romantismo Inglês, um dos primeiros países a acontecer este movimento literário, junto com a Alemanha e o quanto ele se assemelha à produção escrita no Brasil neste período. Abaixo você lerá um trecho de um dos maiores romances de língua inglesa já escritos, "O Morro dos Ventos Uivantes", de Emily Brontë. Publicado em 1827, gerou polêmica na época de seu lançamento, sendo alçado a clássico imortal com o passar do tempo. Narra a trágica história de amor entre Catherine Earnshaw e Heathcliff que você também viu a respeito no capítulo anterior deste livro. Assim como em "Senhora", de José de Alencar, as relações familiares, amorosas, também são regidas pelo dinheiro e pelo trabalho neste romance inglês. No texto abaixo, o fato que desencadeará a vingança de Heathcliff contra as humilhações pelas quais passou na família Earnshaw.



“O Morro dos Ventos Uivantes”
Emily Brontë

(...)
“Era tarde da noite, e o bebê chorou, E o sapo na lagoa bem que escutou, quando Cathy, que ouvira toda a cena, passou a cabeça pela porta e perguntou, num murmúrio:
— Nelly, você está sozinha?
— Estou, sim — respondi.
Ela entrou e aproximou-se da lareira. Supondo que fosse dizer algo, levantei a cabeça para olhá-la. A sua expressão era de preocupação e ansiedade. Tinha os lábios semi-abertos, como se fosse dizer alguma coisa, mas limitou-se a suspirar. Recomecei a cantar, pois não esquecera ainda o seu recente comportamento.
— Onde está Heathcliff? — perguntou, interrompendo-me.
— Trabalhando na cavalariça — repliquei.
Ele não me contradisse; talvez tivesse adormecido. Seguiu-se outra longa pausa, durante a qual vi uma ou duas lágrimas escorrerem pelas faces de Catherine. "Será que está arrependida da sua vergonhosa conduta?", pensei.
"Isso seria novidade; mas não vou ajudá-la, ela que se arranje!" Enganava-me: ela não se preocupava senão com os seus próprios problemas.
— Oh, meu Deus! — exclamou, finalmente. — Sinto-me tão infeliz!
— Que pena! — observei. — Mas você é mesmo difícil de contentar: tem tantos amigos e tão poucas preocupações, e nem assim se sente satisfeita!
— Nelly, será que você é capaz de guardar um segredo? — continuou ela, ajoelhando-se ao meu lado e erguendo para mim os seus belos olhos, que tinham a propriedade de acabar com qualquer ressentimento, mesmo que fosse absolutamente legítimo.
— É um segredo que vale a pena guardar? — perguntei, com voz menos seca.
— É, e está me preocupando, preciso desabafar! Quero saber o que devo fazer. O caso é o seguinte: Edgar Linton pediu-me hoje em casamento, e eu lhe dei uma resposta. Agora, antes que eu lhe diga se a resposta foi afirmativa ou negativa, diga-me qual deveria ter sido.
— Ora, Srta. Catherine, como é que eu posso saber? — retruquei. — Para dizer a verdade, depois da cena que fez na presença dele, esta tarde, acho que seria acertado recusar-lhe a proposta; se ele a pediu em casamento depois daquilo, deve ser ou completamente estúpido ou insensato.
— Se você falar assim não lhe conto mais nada — replicou ela em tom caprichoso, pondo-se de pé. — Respondi que sim, Nelly. Agora, diga depressa se eu errei!
— Você já lhe respondeu que sim? Então, para que discutir o assunto? Você já deu a sua palavra, não pode mais voltar atrás.

— Mas diga se eu fiz bem. . . diga! — exclamou ela, já irritada, esfregando as mãos e franzindo a testa.
— Há muitas coisas a considerar antes de se poder responder a essa pergunta — respondi. — Antes de mais nada, você ama o Sr. Edgar?
— Como poderia deixar de amar? Claro que amo — respondeu.
Resolvi passá-la, então, por uma espécie de interrogatório, o que, para uma moça de vinte e dois anos, não deixava de ser razoável.
— Por que é que o ama, Srta. Cathy?
— Ora, porque sim. . . e isso basta.
— Absolutamente; você precisa dizer por quê.
— Bem, porque ele é belo e uma companhia muito agradável.
— Mau! — exclamei.
— E porque ele é jovem e alegre.
— Mau, outra vez.
— E porque ele me ama.
— Isso não interessa.
— E porque ele vai ser rico, e eu serei a mulher mais importante destas bandas e sentirei orgulho em tê-lo por marido.
— Pior ainda. Agora, diga-me, de que maneira você o ama?
— Como todo o mundo. . . oh, você parece boba, Nelly.
— Não sou, não. Responda.
— Bem, amo o chão que ele pisa e o ar que o rodeia e tudo quanto ele toca e tudo o que ele diz. Gosto da figura dele e de todas as suas ações; gosto dele todo. Pronto!
— E por quê?
— Não, você está caçoando de mim, e isso é de muito mau gosto. Para mim não é brincadeira! — exclamou a jovem, franzindo o sobrolho e voltando o rosto para o fogo.
— Não estou caçoando, Srta. Catherine — repliquei. — Você ama o Sr. Edgar porque ele é belo, jovem, alegre, rico e a ama. Essa última razão não interessa: você o amaria mesmo que ele não a amasse, acho eu; mas não o amaria se ele não possuísse as outras quatro atrações.
— Não, claro que não; apenas teria dó dele. . . ou o detestaria, se ele fosse feio e pateta.
— Mas há muitos outros jovens belos e ricos no mundo; até mais belos e mais ricos do que ele. Por que você não haveria de amá-los?
— Se há, não os conheço. Não conheço ninguém como Edgar.
— Mas talvez ainda vá conhecer; e ele não será sempre belo, nem jovem, nem, talvez, rico.
— É, agora, e só me interessa o presente. Gostaria que você falasse mais racionalmente.
— Bom, se só lhe interessa o presente, case-se com o Sr. Linton.
— Não preciso da sua permissão. . . eu vou casar com ele. Mas você ainda não me disse se eu faço bem.
— Muito bem, se é que as pessoas fazem bem em casar pensando apenas no presente. Agora, gostaria de saber por que é que está tão infeliz. Seu irmão vai ficar muito satisfeito; os pais do Sr. Edgar decerto não porão obstáculos; você sairá de uma casa desordenada e sem conforto para um lar farto e respeitável; e vocês se amam. Tudo me parece um céu aberto. Onde está a infelicidade?
— Aqui! e aqui! — respondeu Catherine, batendo com uma mão na testa e a outra no peito. — Onde quer que a alma resida. No fundo da minha alma e do meu coração, estou convencida de estar errada!
— Isso é muito estranho! Não entendo!
— É esse o meu segredo. Mas, se você não caçoar de mim, eu lhe explicarei. Não posso fazê-lo muito bem; apenas vou dar-lhe uma idéia do que eu sinto. Sentou-se novamente a meu lado. O seu rosto tornou-se mais triste e mais grave ainda, e as suas mãos tremiam.
— Nelly, você nunca tem sonhos esquisitos? — perguntou de repente, após alguns minutos de reflexão.
— Tenho, de vez em quando — respondi.
— Eu também. Já tive sonhos que nunca consegui esquecer e que mudaram a minha maneira de pensar: alteraram a cor da minha mente, assim como o vinho altera a cor da água. Vou lhe contar um desses sonhos. . . mas tenha o cuidado de não rir.
— Oh, por favor, Sita. Catherine! — exclamei. — Para que conjurar fantasmas e visões? Vamos, seja alegre como costuma ser. Olhe para o pequenino Hareton! Ele não está sonhando sonhos esquisitos. Veja como ele sorri docemente!

— Sim, e com o pai dele pragueja! Entretanto, você deve se lembrar dele mais ou menos assim: quase tão pequeno e tão inocente. De qualquer maneira, Nelly, vou obrigá-la a escutar o meu sonho. Não é comprido, e eu não posso estar alegre esta noite.
— Não quero ouvir, não quero ouvir! — repeti.
Eu era supersticiosa a respeito de sonhos, e ainda sou. Catherine tinha, naquela noite, um aspecto sombrio e nada comum, que me fazia temer e profetizar algo terrível. Ficou irritada comigo, mas não insistiu. Aparentemente mudando de assunto, continuou:
— Se eu estivesse no céu, Nelly, sentir-me-ia muito mal.
— É porque você não o merece — respondi. — Todos os pecadores se sentiriam mal no céu.
— Mas não é por isso. Uma vez sonhei que estava lá.
— Já lhe disse que não quero saber dos seus sonhos, Srta. Catherine! Vou para a cama — ameacei.
Ela riu e segurou-me, pois fiz menção de me levantar.
— Não é nada — disse ela. — Só lhe ia contar que para mim não parecia ser o céu e que eu chorava desesperadamente, querendo voltar para a terra. Os anjos ficaram tão zangados comigo, que me jogaram bem em cima do Morro dos Ventos Uivantes, onde eu acordei soluçando de alegria. Isso me servirá para explicar o meu segredo. Não tenho mais razão para casar com Edgar Linton do que para estar no céu e, se esse homem perverso que é o meu irmão não tivesse feito Heathcliff descer tanto, eu nem teria pensado nisso. Mas agora eu me degradaria se casasse com Heathcliff, por isso ele nunca há de saber o quanto o amo: e não porque ele seja belo, Nelly, mas por ele ser mais eu do que eu própria. Não sei de que são feitas as nossas almas, mas elas são iguais; e a de Linton é tão diferente da minha quanto um raio de lua é diferente de um relâmpago, ou o fogo da geada.
Antes que ela tivesse acabado de falar, apercebi-me da presença de Heathcliff. Tendo notado um ligeiro movimento, virei a cabeça e vi-o erguer-se do banco e sair sem fazer barulho. Ouvira Catherine dizer que casar com ele a degradaria, e não quisera escutar mais. Sentada no chão, atrás do encosto do banco, ela não havia reparado na sua presença nem dera conta da sua partida; mas eu estremeci e fiz-lhe sinal para que se calasse.”



Quem é?

EMILY BRONTË (30 de julho de 1818 - 19 de dezembro de 1848) -Escritora e poeta britânica. Emily nasceu no Thornton em Yorkshire, irmã mais nova de Charlotte Brontë e a quinta de seis crianças. Em 1820, sua família mudou-se para Haworth, onde o pai de Emily foi um curador, e nestes arredores o seu talento literário floresceu. Depois da morte de sua mãe, as três irmãs e o seu irmão Branwell criaram terras imaginárias (Angria, Gondal, Gaaldine), que aparecem nas estórias que eles escreveram. Poucos dos trabalhos de Emily neste período sobreviveram, exceto por alguns poemas (The Brontës' Web of Childhood, Fannie Ratchford, 1941).Ela publicou, então, sua única obra em prosa, O Morro dos Ventos Uivantes, em 1847. Embora primeiramente tenha recebido estranhas críticas, o livro tornou-se um clássico da literatura inglesa. Ela morreu em 19 de dezembro de 1848 com tuberculose e foi enterrada na igreja de St. Michael and All Angels Cemetery, Haworth, Oeste de Yorkshire, Inglaterra.

Entendendo o texto



1)
Quais características de Catherine Earnshaw você pode perceber através das descrições do narrador, as falas de Nelly e da própria Catherine?

2) As características de Catherine se assemelham de algum modo ao perfil da personagem Aurélia, do romance "Senhora"? Por quê?

3) Quais aspectos do Romantismo Brasileiro e Inglês podem ser também encontrados no texto de Emily Brontë?

4) O fato dos romances aqui estudados terem sido escritos por um homem (no caso de "Senhora") e por uma mulher (no caso de "O Morro dos Ventos Uivantes"), respectivamente, gerou alguma influência ou mudança na forma de escrever? Você notaria esta diferença se não soubesse quem tinha escrito os textos?

5) Por que Catherine prefere casar-se com Edgar Linton ao invés de Heathcliff? Nelly, a empregada da casa, aprova esta união?

6) Qual sinal gráfico de pontuação recorrente no texto expressa a intensidade das emoções da personagem Catherine?

7) Quais relações você percebe no excerto lido acima de “O Morro dos Ventos Uivantes” entre patrões e empregados? 


SUGESTÃO

Assim como a muitos escritores, Emily Brontë influenciou artistas de outras áreas como a música, por exemplo. Kate Bush, cantora inglesa, escreveu uma canção inspirada no livro clássico O Morro dos Ventos Uivantes, que fez grande sucesso no final dos anos 70, chama-se “Wuthering Heights”. Ouça:



ATIVIDADE



"O Morro dos Ventos Uivantes" foi diversas vezes adaptado para o cinema e para a televisão. Duas adaptações do romance de Emily Brontë estão entre as mais conhecidas do grande público, a versão de 1939, com Laurence Olivier e Merle Oberon, e a de 1992, com Ralph Fiennes e Juliette Binoche, como Heathcliff e Catherine, respectivamente.


Veja o trailer de ambos os filmes:




Assista novamente os trailers e aponte as principais diferenças entre os dois trailers, aquilo que mais chamou a sua atenção e responda as questões abaixo:

1) Como os personagens Heathcliff e Catherine estão caracterizados nos dois trailers?

2) Você encontrou diferenças no modo como atuam os intérpretes dos personagens principais? Qual deles você achou mais natural ou realista e qual, em sua opinião, teve uma atuação mais teatral, dramática?

3) Você acredita que o fato dos filmes terem sido produzidos em épocas diferentes influenciou no visual e nas opções estéticas destas adaptações do romance de Emily Brontë?

4) Selecione abaixo qual elemento artístico contribuiu para a dramaticidade das cenas vistas nos trailers. Justifique sua resposta.
(   ) interpretação dos atores
(   ) trilha sonora
(   ) fotografia (iluminação, paisagens)
(   ) narração do trailer

5) Se você tivesse que escolher um dos dois filmes para representar o trecho do romance que você leu no início desta seção, qual versão seria? A de 1939 ou a de 1992? Por quê?



Você viu?

Assim como cada escritor tem um modo diferente de escrever, quem transpõe uma obra da literatura para outro formato (televisão, teatro, cinema, rádio, quadrinhos, etc.) também coloca sua visão sobre a obra. Não é possível transpor o livro inteiro dentro de um filme, por isto o roteirista ou o diretor selecionam aquilo que acha importante dentro da obra. Por isto chamamos de adaptação cinematográfica (mas isto é assunto para os próximos capítulos). No caso do cinema, outras escolhas estéticas são feitas como fotografia (a iluminação), direção de arte (o cenário e objetos de decoração), o figurino, trilha sonora, até mesmo a atuação dos atores e o modo como a câmera faz o enquadramento e se movimenta. Tudo isto acontece sob o comando do diretor auxiliado pela sua equipe que resulta no filme que você vai ver no cinema ou em casa.


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